Brasília quer de volta um político que ainda responde por corrupção?

Foto: Reprodução/Redes Sociais
Após 15 anos da Operação Caixa de Pandora, José Roberto Arruda reaparece nas redes para anunciar que “não desistiu de Brasília”. Mas o que explica a tentativa de retorno de um político condenado, multado e que chegou a anunciar o fim da vida pública?

 

Em vídeo publicado nesta quarta-feira (22/10), José Roberto Arruda (sem partido) fala como quem tenta resgatar uma história interrompida. “Quero uma Brasília organizada para o futuro, com um governo decente, que resolva os problemas da cidade e não gaste todo o dinheiro apenas com propaganda”, afirmou. A retórica é familiar, moralista, populista e de pretensa limpeza ética. Mas, diante da trajetória do ex-governador, a pergunta é inevitável: será que Brasília quer o retorno de quem foi o protagonista do maior escândalo político da capital?

Em novembro de 2024, Arruda dizia o contrário. Em entrevista ao Correio Braziliense, no aniversário de 15 anos da Operação Caixa de Pandora, garantiu: “Não pretendo voltar mais para a vida pública. Sou pai Uber, estou criando meus filhos e estou feliz assim.” Menos de um ano depois, o discurso muda radicalmente. A súbita volta coincide com uma nova interpretação da Lei da Ficha Limpa — a Lei Complementar 219/2025, sancionada por Lula, que redefine prazos de inelegibilidade e reacendeu esperanças entre políticos condenados.

As condenações e a Pandora que nunca se fechou

A Operação Caixa de Pandora, deflagrada em 2009 pela Polícia Federal, revelou um esquema de propina no coração do governo do Distrito Federal, envolvendo políticos, empresários e servidores públicos. O delator Durval Barbosa filmou Arruda recebendo uma sacola com R$ 50 mil. O então governador alegou que o dinheiro era “para comprar panetones” — daí o apelido que o perseguiu: “farra dos panetones”.

Pelas investigações, segundo o G1 e o Correio Braziliense, o dinheiro não era filantropia: era parte de um esquema de corrupção e compra de apoio parlamentar. Arruda chegou a ser preso em 2010, tornando-se o primeiro governador em exercício da história brasileira a ser detido.

As condenações vieram em série:

• Em 2018, o TJDFT o sentenciou a 3 anos e 10 meses por falsidade ideológica, e outra decisão o condenou a 7 anos e 6 meses por corrupção de testemunha (Agência Brasil).
• Em 2024, foi novamente condenado por improbidade administrativa no caso da empresa Uni Repro, com suspensão dos direitos políticos por 12 anos e multa de R$ 152,5 mil (Correio Braziliense).
• As multas totais impostas pela Justiça somam R$ 594,9 milhões, segundo o Metrópoles, valor que levaria 2.001 anos para ser pago com o salário de governador.

Em 2025, o TJDFT ainda confirmou uma multa de R$ 1 milhão por dano moral coletivo, destacando a “repulsa social” causada pelos atos de corrupção.

As brechas na lei e a reinterpretação conveniente

Arruda reaparece no momento em que o Congresso alterou a Lei da Ficha Limpa. A nova redação limitou o prazo de inelegibilidade a 12 anos e ajustou a contagem dos oito anos de punição a partir da condenação, e não mais do fim do mandato.

O próprio Arruda celebrou a mudança. Passou a alegar que suas condenações, todas com mais de uma década, já estariam sob o novo teto temporal. Na prática, tenta construir a tese de que já cumpriu a pena política, mesmo que o Supremo Tribunal Federal ainda analise uma ação direta de inconstitucionalidade sobre o tema (sob relatoria da ministra Cármen Lúcia).

Entretanto, juristas como Clayton Germano, promotor de Justiça do DF, que foi coordenador do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), e atuou em operações como Caixa de Pandora, alertam que a norma não retroage automaticamente: para valer, as ações precisariam ter “conexão material” entre si, algo que não se aplica a Arruda, cujas condenações tratam de contratos distintos e causas diferentes.

Entre absolvições e tentativas de reabilitação

Nem tudo, porém, foi condenação. Em 2017, o TJDFT absolveu Arruda e outros réus no caso Ailanto Marketing, que investigava supostas irregularidades no contrato de R$ 9 milhões para o amistoso Brasil x Portugal em 2008. O juiz reconheceu que houve inexigibilidade de licitação válida e nenhum dolo ou prejuízo comprovado ao erário.

Em 2022, o ministro André Mendonça (STF) anulou a condenação da “farra dos panetones”, transferindo o caso para a Justiça Eleitoral. Foi a partir dessas vitórias parciais que Arruda voltou a testar o terreno político.

A reaproximação com Ibaneis e o tabuleiro de 2026

Em fevereiro de 2025, Arruda surpreendeu ao elogiar publicamente o governador Ibaneis Rocha (MDB), com quem já havia dividido palanques e rompido alianças no passado. Em entrevista ao Correio Braziliense, afirmou:

“Ibaneis faz um bom governo, faz obras… E tem tudo para ser um bom senador porque conhece Brasília, sentou na cadeira de governador, sabe onde as coisas têm necessidade.”

O gesto sinalizava uma tentativa de reaproximação com o grupo político dominante no DF, possivelmente de olho em 2026.

Meses depois, no entanto, o clima mudou. Em outubro de 2025, Arruda acusou Ibaneis de integrar a “república dos bacharéis” e de tentar “ganhar no tapetão” (Metrópoles). O governador respondeu:

“Arruda é da república dos ladrões.”

O embate mostrou que, mesmo após 15 anos fora do poder, o ex-governador ainda é um personagem central na polarização da política local, oscilando entre alianças e ataques conforme o tabuleiro muda.

O discurso do “homem perseguido”

Arruda tenta agora se apresentar como vítima de um sistema que o puniu em excesso. Em sua nota após nova condenação, disse: “Isso acontece 15 anos depois que deixei o governo e logo após uma pesquisa que me colocou em primeiro lugar. Não desconheço a força dos que temem a minha volta.”

Mas a retórica de perseguição ignora o essencial: os processos e condenações contra ele não foram fabricados por adversários, e sim resultantes de decisões colegiadas do TJDFT, STJ, TSE e STF,  quatro instâncias distintas.

Apesar do discurso de renovação e de “volta por amor a Brasília”, José Roberto Arruda ainda carrega um extenso rastro judicial. Quinze anos depois da Operação Caixa de Pandora, o escândalo que o derrubou do poder e o levou à prisão, o ex-governador continua respondendo a uma dezena de ações penais e cíveis.

As mais antigas dormitam na 7ª Vara Criminal de Brasília, apurando corrupção, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Outras, de improbidade administrativa, exigem ressarcimentos que somam centenas de milhões de reais, valores impensáveis de serem quitados em vida. Parte dos processos foi empurrada para a Justiça Eleitoral, após decisões que reconheceram vínculos com campanhas e doações simuladas.

Afinal, por que voltar?

O retorno de José Roberto Arruda não é apenas pessoal, é sintoma de um ambiente político que normalizou o retorno de figuras marcadas pela corrupção. Em 2009, ele foi o símbolo de um Brasil indignado. Em 2025, tenta se reinventar num país fatigado pela repetição dos mesmos escândalos.

Brasília, que já o viu ser aplaudido e depois algemado, agora precisa decidir se está disposta a vê-lo novamente no poder. Entre a promessa de um “governo decente” e o histórico de improbidades, a capital tem diante de si uma pergunta simples, porém crucial:

Será que Brasília merece sua volta, ou apenas esqueceu o que ele fez quando estava lá?

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